30/03/2010

PM paraibano morre após treinamento em Guarulhos (SP) e corpo ''desaparece''

A estudante de Biologia da Universidade de Guarulhos (UnG), Juliana Seiffer Nunes de Paula da Costa Soares, de 30 anos, está vivendo um drama que começou no dia 11 de abril do ano passado. Neste dia, seu marido, o policial militar Orlando da Costa Soares, integrante da Ronda Ostensiva com o Apoio de Motocicletas (Rocam), passou mal depois de participar de um treinamento de Controle de Distúrbio Civil (CDC) com bombas de gás no 44º Batalhão da PM em Guarulhos, na Grande. S. Paulo, e morreu dias depois.

Soldado Costa nasceu em Rio Tinto, a 64 quilômetros de João Pessoa, e morava há anos em São Paulo. Hoje seus familiares moram na cidade de Marcação.

Com as investigações em andamento por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado no 15° Batalhão, o corpo do policial foi exumado por autorização da Justiça Militar em agosto, três meses depois de sua morte. Com a exumação, teve início outro pesadelo para a viúva: ela disse não saber onde está o cadáver do soldado Costa, que deveria ter retornado ao jazido da família, no cemitério São Judas Tadeu, no Picanço, entre 15 ou 20 dias depois da exumação, conforme o prometido. E se ele [cadáver], de fato, retornou ao cemitério, Juliana alega que houve violação de túmulo.

Seja o que tiver acontecido, o fato foi comunicado à Corregedoria. A viúva pediu ajuda ao presidente da OAB Guarulhos, Fábio de Souza, que já encaminhou o caso à Comissão dos Direitos Humanos para acompanhar as investigações. “Cadê o corpo de meu marido? Quem está enterrado no túmulo de minha família?”, perguntou Juliana.

Quanto ao suposto desaparecimento do corpo do soldado Costa, major Otto se mostrou surpreso e afirmou que esta questão deve ser tratada com a administração do cemitério. “A PM não tem nada a ver com a retirada ou devolução do corpo. A administração do cemitério é que pode precisar o que está acontecendo. Diante desta situação, vou oficiar à administração para que ela diga se realmente o corpo foi ou devolvido”, explicou o oficial. Informou ainda que a Corregedoria esteve em Guarulhos em diligência, mas a viúva não compareceu ao local marcado.

O comandante do 15° BPM, tenente-coronel Ernesto Carlos da Costa, confirmou que o IPM já foi remetido ao Tribunal de Justiça Militar há meses. Disse que a polícia está solidária à viúva, mas enfatizou que toda investigação foi feita com transparência e isenção, e que o corpo do soldado Costa, de fato foi devolvido ao túmulo em novembro.

Informações desencontradas
No primeiro laudo cadavérico, número 1367/2009, assinado pelo legista Ruggero B. F. Guidugli, no dia 1° de maio do ano passado, consta que a morte do soldado Costa foi produzida por “agente tóxico + biodinâmico patogênico”, ou seja, por “veneno”. Diante deste documento, a exumação do corpo do PM foi solicitada à Justiça Militar pelo major Otto, presidente do Inquérito Policial Militar (IPM) que apura as causas de sua morte.

No dia 11 de agosto, às 10h, a viúva Juliana Costa estava no cemitério acompanhando a exumação. “Fui obrigada a reconhecer que era o corpo de meu marido. Depois, o legista que estava no local informou que entre 15 a 20 dias, o corpo seria devolvido ao túmulo”, contou.

Em dezembro, ela ligou para o Batalhão. “Cadê o corpo de meu marido? Tenho todo o direito de enterrá-lo novamente”, bradou. Não houve resposta convincente. Já no último dia 12 de janeiro, a Corregedoria foi informada do fato e pediu prazo para investigar.

Túmulo
No dia 3 de março, a Corregedoria foi contatada mais uma vez e pediu que Juliana fosse à administração do cemitério do Picanço buscar uma declaração de que o corpo não estava enterrado no local. Antes de entrar na administração de cemitério, ela foi ao túmulo. Lá, a surpresa: a gaveta estava lacrada.

A direção do cemitério lhe informou que o corpo havia retornado no dia 25 de novembro, sem a família ter sido comunicada. “De imediato, fui ao batalhão. Queria uma explicação. Fui, portanto, informada que na véspera, no dia 2, contataram o IML e a informação de um funcionário identificado por Leonardo era que o corpo ainda não havia sido liberado pelo legista e, portanto, ainda está no instituto. Afinal de contas, o que está acontecendo? Quem está enterrado no túmulo da minha família”, perguntou Juliana. Ela alegou que, se tem alguém enterrado no local, mesmo sendo o corpo do soldado Costa, houve violação.

PM Costa reclamou de “muita fumaça”
O soldado Costa trabalhava na Polícia Militar desde 1988, portanto, há 21 anos. Na madrugada do dia 11 de abril de 2009, sábado, ele beijou a mulher Juliana e, de moto, saiu do apartamento onde morava, no Condomínio Residencial Vila Rio de Janeiro, para se apresentar no 44º Batalhão da PM às 6h. Naquele dia, sob o comando do 2° tenente Osmário Ferreira da Silva, ele participaria de um treinamento de Controle de Distúrbio Civil (CDC) com o uso de bombas de gás.

À noite, ao retornar para casa, ele apresentava dificuldades de respirar e comentou: “tinha muita fumaça no treinamento”. Perto de meia-noite, com quase 40 graus de febre, o policial foi levado ao Hospital da Polícia Militar, na Zona Norte de São Paulo. “O atendimento foi bem ao estilo da PM. Me trataram como lixo no hospital”, lembrou Juliana.

No Domingo de Páscoa, após ser medicado com corticóides, segundo a viúva, o PM recebeu alta, pouco depois das 7h. Na segunda-feira, dia 13, Costa não foi trabalhar, mas foi obrigado a ir ao Batalhão deixar a licença médica. “À tarde, a febre retornou e por volta das 19h, retornamos ao HPM. Agora, ele foi direto ao oxigênio”, contou.

Morte
Soldado Costa passou uma semana consciente. Neste período, escreveu como foi o treinamento e desenhou o local onde ele foi realizado. Ex-integrante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), Costa piorou. Os médicos alegaram alergia, mas negaram que o problema tinha alguma ligação com o treinamento. Após ser entubado, Costa morreu às 15h15 do dia 1º de maio.

“Não tenho dúvidas: houve, no mínimo, negligência no treinamento. Meu marido não tinha problemas de saúde”, afirmou Juliana.

Equipamentos de segurança não foram utilizados no treinamento
No dia 14 de maio do ano passado, o 2° tenente Osmário Ferreira da Silva, que comandou o treinamento de Controle de Distúrbio Civil (CDC) e que contou com a participação de homens da Rocam e da Força Tática, no 44° Batalhão, depôs e admitiu que não fez uso de equipamentos de segurança durante o exercício.
No treinamento, teriam sido utilizados armamentos químicos de uma granada fumígena MB-502-HC, em uma sala fechada no batalhão. Este tipo de granada, segundo informações, tem a função de produzir uma cortina ou teto de fumaça e, assim, encobrir a tropa.

Segundo o depoimento do oficial, os policiais teriam aspirado o gás por cerca de um minuto e meio. A granada teria sido ainda deflagrada pelo próprio tenente que admitiu, segundo o processo, não ter usado equipamento de segurança durante o exercício ou de prevenção de inalação de substâncias químicas.

“Após análise, concluo que in tese, há indícios do cometimento de crime militar na conduta do 2° tenente Osmário Ferreira da Silva. Na esfera administrativa, vislumbro indícios de cometimento de transgressão militar na conduta do 2° tenente Osmário Ferreira da Silva”.

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