20/02/2011

Internet traz alívio e inquietação a militares no Afeganistão

Esqueça os jatos, as bombas guiadas a laser e as imagens via satélite. Para o soldado comum, a mudança mais significativa da guerra moderna pode ser as mensagens instantâneas.


Considere essas cenas do norte do Afeganistão: Um artilheiro no interior de um veículo blindado digita furiosamente em um BlackBerry, tão absorto em mensagens de texto com a sua namorada nos Estados Unidos que ele se esqueceu de prestar atenção no movimento inimigo.


Soldado no Afeganistão utiliza laptop para se comunicar com amigos nos EUA

Soldado no Afeganistão utiliza laptop para se comunicar com amigos nos EUA


Uma médica observa a tela de seu computador com entusiasmo quando seu filho de 2 anos de idade beija a câmera na Flórida, a mais de 12 mil quilômetros de distância.


A líder de um esquadrão, que acaba de comandar um ataque contra insurgentes encontra um lugar tranquilo dentro de seu posto de combate, pega seu iPhone e escreve uma mensagem instantânea para a sua esposa. “Está tudo bem”, diz a ela, acrescentando: “Tem acontecido muita coisa por aqui”.


A falta de comunicação que antes mantinha as tropas afastadas dos detalhes alegres, deprimentes, prosaicos ou sórdidos da vida em casa desapareceu. Com os avanços da tecnologia celular, o acesso mais amplo à internet e o uso de sites de redes sociais como o Facebook, as tropas em zonas de combate agora podem se comunicar com seus entes queridos quase todo dia.


Eles podem participar de nascimentos e aniversários em tempo real. E podem verificar os resultados de partidas de seus times favoritos, fazer cursos universitários online e até mesmo gerenciar empresas e carteiras de ações.


Mas há uma desvantagem: eles já não conseguem deixar de resolver problemas, como máquinas de lavar louça com defeito e contas que não foram pagas, filhos rebeldes e relações com problemas, como era possível antes.



O Pentágono, que durante muitos anos resistiu a permitir livre acesso à internet em computadores militares devido a preocupações de segurança, já abraçou a revolução, dizendo que a comunicação instantânea é um impulso moral enorme para as tropas e suas famílias. Mas oficiais militares reconhecem silenciosamente uma desvantagem para a conectividade.


Alguns comandantes temem que as tropas estão brincando com iPhones e BlackBerrys (assim como Game Boys e MP3 players), quando deveriam estar trabalhando, embora tais dispositivos sejam estritamente proibidos em patrulhas a pé.


Distrações

Mais comuns são as preocupações de que os problemas da casa estejam se infiltrando inexoravelmente na vida na linha de frente, criando distrações para pessoas que deveriam estar se concentrando em permanecer seguras.


“Isso é algo poderoso para o bem, mas também pode ser poderoso para o mal quando você está sabendo em tempo real todos os problemas que existem na sua casa”, disse o coronel Chris Philbrick, diretor da força tarefa de prevenção do Exército. “Isso nos obriga a manter a cabeça literalmente em dois jogos ao mesmo tempo, quando a sua cabeça deveria estar em apenas um jogo, no Iraque ou no Afeganistão”.


Levou anos para que os militares aceitassem as questões de segurança cibernética e segurança física de suas tropas. Inicialmente, o Pentágono proibiu o acesso a sites de redes sociais. Mas quando os oficiais perceberam que estavam ficando para trás dos tempos e irritando jovens soldados, eles realizaram um estudo e determinaram que havia mais a ser conquistado ao permitir o acesso. Computadores com acesso à rede de informações confidenciais ainda não têm acesso a sites de redes sociais.


Para ver o lado positivo de uma força de bem conectada, não é preciso ir longe, basta ver o centro de Moral, Bem Estar e Recreação, carinhosamente conhecido como o MWR por sua sigla em inglês, da Base Operacional Avançada Kunduz, casa do 1 º Batalhão da 87ª Infantaria.


Soldados usam computadores do centro de recreação da base em Kunduz, no norte do Afeganistão

Soldados usam computadores do centro de recreação da base em Kunduz, no norte do Afeganistão


Em mais de 40 cubículos de madeira que estão disponíveis durante todo o dia, os soldados se sentam na frente a computadores ou falam ao telefone. Não há praticamente nenhuma privacidade, por isso as discussões sobre dinheiro e os filhos, além das conversas de amor, são claramente audíveis.



A médica Briana Smith, 23 anos, visita o MWR com frequência para ver seu filho de 2 anos de idade, Daniel, que vive com seus pais em Tampa. Ela tenta ligar para casa e entrar no Facebook todos os dias para falar com a família e os amigos. E, pelo menos uma vez por semana, usa a videoconferência do Skype para conversar com Daniel.


A estreita comunicação a deixa feliz, mas também traz tristeza. “Eu não posso estar envolvida nas coisas cotidianas”, disse ela. “Eu só consigo ver pequenos lampejos da vida dele. É bom, mas é um pouco doloroso também”.


As conexões de internet e os telefones não são todos gratuitos. Embora as tropas não paguem para utilizar computadores no MWR, elas pagam pelas chamadas de telefone. E os soldados que trazem os seus próprios celulares pagam mensalidades que normalmente começam com US$ 70 e frequentemente atingem US$ 300 por mês. Alguns soldados receberam contas de mais de US$10 mil quando sua mania de enviar SMS saiu de controle.


Para os veteranos de gerações anteriores, tudo isso parece algo saído da ficção científica. George Moody, cujo filho, Billy, é artilheiro do batalhão em Kunduz, passou 25 anos na Marinha, alocado em navios que ficavam no mar durante muitos meses. As cartas que enviava e recebia de sua namorada e hoje esposa, Mary Jo, às vezes levavam seis semanas para chegar.


Agora Moody, 49 anos, programou o computador da família para tocar um alerta sempre que Billy entra no Skype em Kunduz. Com uma diferença de oito horas e meia entre o Afeganistão e a sua casa em Ashville, Carolina do Norte, ele e sua esposa ficam acordados depois da meia noite quase todos os dias. “É como ter um bebê novamente, porque nos levantamos às 2h da manhã para conversar com ele”, disse Moody. “Mas seria horrível não falar com ele quando ele quer conversar”.


A facilidade de comunicação pode aliviar medos – mas também alimentá-los. Depois que as famílias se habituam a falar com os soldados diariamente, a falta de comunicação pode fazer a imaginação correr solta.


Christina Narewski fala diariamente com o marido, sargento Francisco Narewski, por Skype ou mensagens instantâneas em seu BlackBerrys. Mas quando ele não liga de volta rapidamente, ela assusta. “Fico numa ansiedade só esperando para ouvir a voz dele novamente, só esperando ele ligar de voltar”, disse ela.


Barbara Van Dahlen Romberg, psicóloga e fundadora de um grupo que fornece aconselhamento para os soldados e suas famílias, chamou essa conectividade “uma benção estranha” quando os casais gastam muito tempo esperando por ligações ou discutindo excessivamente problemas que não podem ser consertados à distância. “É apenas estresse, estresse, estresse”, disse ela. “Eu conversei com uma mãe que estava contando os minutos entre as chamadas de seu filho. Eu delicadamente lhe disse que isso não é bom para eles. É um fardo”.


A capacidade de manter o controle sobre as pessoas em quase qualquer hora também pode ser perigosa para os soldados que desconfiam de suas namoradas ou cônjuges. “Fica muito fácil perguntar a um amigo: O que ela fez na noite passada?”, disse Billy Moody. “Eles podem te dizer uma coisa, ela diz outra e a coisa toda vira um drama”.



Kyle Schulz, por exemplo, descobriu por celular que sua namorada estava vendo outro homem. A notícia causou uma confusão emocional – até que ele retomou seu relacionamento com uma antiga namorada por celular e Facebook. Mais tarde, eles discutiram casamento, também pelo Facebook, até que a relação também acabou.


“De certa forma, eu acho que tive comunicação demais”, disse Schulz, 22 anos. “Quanto mais eu sei sobre o que está acontecendo em casa, menos eu me concentro aqui. E isso pode me machucar ou machucar outras pessoas”.


Suicídio

Em casos extremos, o fim de relacionamentos em telefones celulares ou no Facebook levou soldados à terapia contra suicídio, ou pior. Em um caso envolvendo um batalhão diferente, um soldado no Iraque se suicidou em 2009 depois de passar horas rastreando os movimentos de sua namorada e depois discutir com ela e sua irmã pelo celular e MySpace. Meia hora depois de o soldado Chancellor Keesling se matar, sua namorada lhe enviou um email pedindo para fazer as pazes.


“Chance sabia exatamente com quem sua namorada tinha saído e onde ela estava”, disse o pai, Gregg Keesling. “Ela parou de aceitar suas ligações e isso é o que realmente o deixou louco”.


Em Kunduz, o capelão do batalhão, o capitão Tony Hampton, disse que muitas vezes aconselha os soldados a desligar o celular e ficar longe dos computadores, principalmente quando há muitas tensões com os entes queridos. Tire algum tempo para pensar, ele aconselha. Escreva uma carta.


Ele duvida que alguém escute. “O acesso é muito fácil para eles e eles simplesmente não conseguem deixar isso de lado”, disse ele. “Esta é a geração das microondas. Eles precisam disso, e precisam agora”.

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